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terça-feira, 27 de setembro de 2011

Caso Renan: Schincariol


Calheiros, num negócio crivado de estranhezas
Nos últimos anos, a fortuna de Renan Calheiros
e de sua família não pára de crescer. Somente
uma transação com a cervejaria Schincariol
rendeu 17 milhões de reais de lucro
Em 2003, o deputado Olavo Calheiros, irmão do senador, resolveu abrir a Conny Indústria e Comércio de Sucos e Refrigerantes, em Murici, no interior de Alagoas, terra natal dos Calheiros. Ganhou, de graça, um terreno de 45.000 metros quadrados, avaliado em 750.000 reais. O doador foi a prefeitura de Murici, na época comandada por Remi Calheiros, irmão de Olavo e Renan. A prefeitura também deu à fábrica isenção por três anos no pagamento de água, insumo essencial para uma fábrica de refrigerantes. Com terreno e água de graça, Olavo bateu à porta do Banco do Nordeste, o BNB, e conversou com o gerente José Expedito Neiva Santos, que fez gestões junto ao BNDES para conceder ao deputado um empréstimo de 6 milhões de reais, com vencimento em vinte anos. O gerente Expedito Santos aceitou, como garantia do empréstimo, a escritura de uma fazenda que o Ministério Público suspeita ser falsificada. Concluído o empréstimo, o gerente, por indicação de Renan Calheiros, foi promovido a superintendente estadual do BNB em Alagoas.
Com fábrica instalada, água e terreno de graça e dinheiro para pagar em duas décadas, a Conny, ainda assim, foi um completo fracasso. Três anos depois, só vendia refrigerantes na região de Murici. Tinha apenas 0,1% do mercado nordestino. Devia 150.000 reais em contas de luz, não pagava o empréstimo e já devia 9,9 milhões de reais ao BNDES. A situação era tão lamentável que a fábrica recorria contra dívidas irrisórias. Entrou com ação judicial para não pagar a anuidade de 1.600 reais ao Conselho Regional de Química. Também foi à Justiça para não pagar 3.600 reais por ano de taxa de fiscalização ao Ibama, o órgão que cuida do meio ambiente. Sofria até ação de cobrança do Inmetro, que fiscaliza o padrão e a qualidade dos produtos no país. O Inmetro cobrava 900 reais da fábrica dos Calheiros. Com as contas no vermelho e prestes a fechar as portas, a fábrica conseguiu ser negociada por 27 milhões de reais. Olavo pagou as dívidas – e embolsou 17 milhões de reais, limpinhos, conforme a Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda, que autorizou o negócio.



Na época, a Schincariol explicou que comprara a fábrica para expandir sua presença no mercado nordestino. Pagou um preço exorbitante. Um especialista no setor ouvido por VEJA diz que se constrói uma fábrica semelhante à da Conny com 10 milhões de reais – menos da metade do que a Schincariol desembolsou. Em junho passado, a mesma Schincariol comprou a Indústria de Bebidas de Igarassu, no interior de Pernambuco, que fabrica a cerveja Nobel. A Igarassu é maior do que a fábrica dos Calheiros, tem 10% do mercado de Pernambuco e capacidade para produzir 5 milhões de litros por mês, contra 4,5 milhões da fábrica dos Calheiros. Ainda assim, mesmo sendo maior e mais importante, a Igarassu saiu por 10 milhões de reais. Em janeiro passado, a cervejaria Baden Baden, de Campos do Jordão, no interior paulista, famosa por fabricar cerveja artesanal, também foi adquirida pela Schincariol. A Baden Baden faturava 5,5 milhões por ano e vinha aumentando sua participação no mercado de produtos sofisticados. Saiu por 30 milhões de reais, apenas um pouco a mais do que a Conny dos Calheiros. A pergunta que fica é: por que a Schincariol pagou tanto à família Calheiros?
As atividades do senador Renan Calheiros em Brasília podem ser uma pista. Depois que a fábrica em Murici foi vendida, o senador interessou-se pelas dificuldades da Schincariol em Brasília, já que, um ano antes, seus cinco dirigentes haviam sido presos pela Polícia Federal sob acusação de sonegação de 1 bilhão de reais. O senador esteve pelo menos três vezes no Ministério da Justiça para saber dos desdobramentos da Operação Cevada, que prendeu os donos da cervejaria. Também andou visitando a cúpula do INSS, que planejava executar dívidas previdenciárias de cerca de 100 milhões de reais da Schincariol. As dívidas, como que por mistério, não foram executadas até hoje. Ou melhor: o INSS executou, sim, mas apenas uma dívida de 49.700 reais. Renan Calheiros andou, também, pela Receita Federal, onde chegou a falar sobre uma multa milionária que o órgão aplicaria à Schincariol. Sabe-se lá por quê, até hoje a empresa não sofreu multa milionária nem a cobrança do 1 bilhão de reais sob suspeita de sonegação. Melhor que isso: a Receita, em vez de manter a contabilidade da dívida centralizada, pulverizou-a pelos seis estados onde a Schincariol tinha fábrica na época. Isso complica e retarda uma cobrança de dívida.





Na semana passada, depois da sessão do Senado em que os parlamentares pediram o afastamento de Renan Calheiros, o Conselho de Ética voltou a trabalhar, escolhendo três relatores para o caso. Decidiram completar a perícia da Polícia Federal sobre a papelada dos negócios do senador e analisar a evolução do seu patrimônio. A venda da fábrica em Murici, formalmente, está fora da investigação porque foi um negócio do deputado Olavo Calheiros, e não do senador. No entanto, os negócios de ambos se entrecruzam o tempo todo. Um compra fazenda do outro. Um arrenda terras para o outro. O gado de um anda na fazenda do outro, e vice-versa. Os dois também se revezam no Congresso quando se trata de despejar dinheiro na obra do Porto de Maceió, tocada pela empreiteira Mendes Júnior. Em 2001, 2002 e 2003, o deputado fez emendas para a Mendes Júnior. Nos anos seguintes, 2004 e 2005, foi a vez do senador. Sob esse aspecto, a modesta fábrica de tubaína em Murici que conseguiu ser negociada por 27 milhões de reais poderia despertar a atenção dos membros do Conselho de Ética. A suspeita que o negócio desperta é a seguinte: será que, além de usar o lobista da Mendes Júnior, o próprio senador Renan Calheiros se converteu num lobista da cervejaria Schincariol? Ninguém sabe, mas há duas certezas na história. Uma delas é que a cervejaria tem apreço pela família Calheiros, tanto que foi a principal financiadora da campanha do deputado Olavo Calheiros e do seu outro irmão, o deputado Renildo Calheiros. Ambos receberam 200.000 reais da empresa. A outra certeza é que os irmãos atuam como líderes da bancada da cerveja, composta de 41 parlamentares que defendem os interesses do setor. A Schincariol diz que vai começar em breve a fabricar o suco Skinka em Murici, mas prefere não fazer nenhum comentário sobre sua relação com o senador Renan Calheiros e seus irmãos deputados.
Com reportagem de Ricardo Brito e Otávio Cabral

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